segunda-feira, 12 de março de 2012

VEJA MAPA DA VIOLÊNCIA: A cada 5 horas, um paraibano é assassinado.

Mapa:CorreiodaParaíba

A Paraíba registra, em média, cinco homicídios por dia. O cálculo tem como base o balanço parcial de assassinatos registrados no ano passado, o qual foi divulgado na semana passada, com exclusividade ao Correio da Paraíba, pelo secretário de Segurança e Defesa Social do Estado (Seds), Cláudio Lima. Em 2011, foram pelo menos 1.680 mortes, valores que podem aumentar, tendo em vista que os dados ainda não estão fechados. Em 10 anos, a ocorrência de óbitos por esse motivo cresceu 247%, já que, em 2001, foram 484, segundo dados da Seds. A maioria das vítimas é negra, pobre e entre 15 e 24 anos.

De acordo com o fundador e coordenador do Núcleo de Estudos Sobre a Violência da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Ariosvaldo Diniz, ações isoladas de repressão ao crime não são suficientes e não devem resolver esse problema. “A violência estrutural só pode ser resolvida também com mudanças estruturais e sociais, através de políticas públicas, e isso não vem nem a curto nem em médio prazo”, explica, citando, como exemplo, a cidade paulista de Diadema, que, em 1999, tinha a maior taxa de homicídios do Estado de São Paulo, mas, 12 anos depois, tornou-se referencial internacional do combate à criminalidade. Em 2011, Diadema, com 386 mil habitantes segundo aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só registrou 37 assassinatos.

Lá, entre outras ações, foi implantada uma lei que proíbe o funcionamento de bares entre 23h e 6h, horário com maior incidência dos assassinatos no município, mas também uma campanha do desarmamento infantil, que consiste na troca de armas de brinquedo por revistas infantis. Em oito edições do projeto, cerca de 16 mil desses brinquedos já foram entregues pelas crianças. O investimento para essa e outras políticas, em 10 anos, somam apenas R$ 143 milhões, valor considerado baixo, de acordo com o secretário de Defesa Social de Diadema, Arquimedes Andrade.

Segundo ele, as mesmas ações podem ser implantadas em cidades da Paraíba, como João Pessoa, bastando, para isso, o desejo do poder público e da sociedade. “Como a cidade é turística, com vida noturna ativa, podem ser ainda pensadas exceções para essa lei. Aqui, por exemplo, os estabelecimentos que queiram funcionar além das 23h têm que ter uma licença especial, atendendo a algumas condições, como aval da vigilância sanitária, da Secretaria de Meio Ambiente para a questão do som, acessibilidade para os deficientes e, principalmente, condições de segurança para a clientela, com câmeras e segurança particular. Todos saem ganhando”, enfatiza.

O pesquisador paraibano Ariosvaldo Diniz concorda que iniciativas como essa são bastante efetivas, porém a municipalização da segurança pública, como o ocorrido em Diadema, também deve ser pensada. “A Constituição coloca como responsabilidade dos Estados a segurança pública, porém isso não significa que deva ficar a cargo exclusivo do governo estadual. É preciso que municípios, Estados e a União unam-se, porque prevenir é fundamental”, lembra.


Mortes têm proporções epidêmicas


A Organização Mundial de Saúde (OMS) define uma zona como epidêmica, quando a taxa de homicídios é superior a 10 a cada 100 mil habitantes. No caso de João Pessoa, a cidade amarga o segundo lugar no ranking das Capitais mais violentas do País, de acordo com o Mapa da Violência 2012, com uma taxa de 80,3.

Já a Paraíba aparece como o sexto Estado mais violento, com uma taxa de 38,6. Em mesma situação está a Região Metropolitana da Capital, a terceira pior do Brasil, com 72,9 homicídios para cada 100 mil habitantes. Já Diadema, em São Paulo, de uma taxa de 107,44 em 1999, passou para 9,52 em 2011, abaixo do índice da OMS.


Drogas mudaram perfil da violência


De acordo com o pesquisador Ariosvaldo Diniz, da UFPB, o perfil da violência no Brasil se transformou ao longo dos tempos, sobretudo com o início dos anos 70. “Antes, havia violência de todos os tipos, mas a que mais era estudada e discutida era certamente a violência política, seja dos que estavam no poder para se manter, bem como daquela encampada por aqueles que resistiam. Havia, de certa forma, um consenso geral de que a violência era importante, seja para manutenção da ordem, seja para a transformação dela”, disse, referindo-se ao enfrentamento à Ditadura Militar.

Nos anos 70, porém, mudanças no campo político e econômico, com alterações no modo de existir do capitalismo e do liberalismo, começam a gerar também transformações pessoais, familiares e sociais, conforme explica Ariosvaldo. “A violência, até então, era política, consensual, exercida por determinados grupos, mas tinha princípios, programas e uma justificativa de transformação social. Já a violência que emerge a partir da década de 80 nos centros urbanos tem um novo tipo – e não por ser uma novidade, mas pelo crescimento da chamada violência letal”, relata.

Ariosvaldo conta que, nesse novo paradigma, a característica principal é o aumento, nos grandes centros, dos crimes patrimoniais e contra a vida. “Há o crescimento de roubos, de furtos a residências, da organização social do crime e do incremento da violência nas ações criminais, o que aumentou, de forma acentuada, a taxa de homicídios e de outros crimes violentos”, ressalta, revelando ainda que a grande generalização só se dá com a emergência do tráfico de drogas.

“E hoje o requinte com que são cometidos esses crimes faz parte dos padrões de conduta dessa criminalidade. A ideia é de que, quanto mais violento o assassinato é, mais respeitada a gangue vai ser. A crueldade se enquadra nessa lógica. O que prevalece não são os valores morais, mas a racionalidade”, resume o pesquisador.


Desafio está longe de ser vencido

O pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre Violência da UFPB, Ariosvaldo Diniz, explica que, devido ao fato de a violência ser causada por condições sociais desfavoráveis, como a falta de emprego e de oportunidades, é insuficiente que apenas a repressão policial consiga diminuir os índices de criminalidade. “Aumentar a repressão por si só significa ser conivente com uma sociedade desigual e injusta”, disse.

Por esse motivo, aponta ele, o Estado da Paraíba ainda está longe de conseguir resolver o problema da violência. “Nós da academia estamos desenvolvendo uma série de pesquisas sobre homicídios, violência contra a mulher, atuação policial. Estamos fazendo nossa parte, mas falta estabelecer essa ligação entre a academia e os órgãos públicos. Esse passo ainda não foi dado, embora haja iniciativas pontuais. De modo geral, a política tem sido apenas reativa, para combater situações emergenciais, mas não proativa, pensando numa perspectiva maior, que é o ideal”, lamentou.

Já o secretário de Segurança e Defesa Social (Seds), Cláudio Lima, informou que passos como esse têm sim sido tomados. Segundo ele, em diversas oportunidades, são convocados para discussão órgãos da sociedade, como as universidades e o Ministério Público. “Sempre enviamos ofícios convidando-os a participar desse debate. O problema é que, enquanto se está no âmbito da academia, é fácil, mas não vemos nenhuma iniciativa no sentido de ir para as ruas colocar esse trabalho em prática”, criticou. Negros morrem 1.699% mais.

Mapa da violência

O Mapa da Violência 2012 revela que, na Paraíba, morrem proporcionalmente 1.699% mais negros do que brancos. Só em 2010, aponta a pesquisa, 1.329 negros foram assassinados, número que é 2.612% maior ao número de brancos mortos, que é de 49. Isso faz do Estado aquele onde menos morrem brancos do País, mas também o terceiro com maior índice de vitimização negra, ficando atrás apenas de Alagoas e do Espírito Santo. As vítimas estão concentradas na faixa etária entre 15 e 24 anos.

Para a gerente executiva de Equidade Racial da Secretaria Estadual da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh), Regina Alves, as estatísticas revelam uma herança histórica de falta de oportunidades e de marginalização que até hoje não foi superada. “Isso se deve, sobretudo, ao racismo, seja ele institucionalizado, disfarçado, ou aquele do cotidiano”, explica, acrescentando que, mesmo nos primeiros anos da escola, as crianças negras já sofrem com esse problema.

“Quanto mais velha essa criança vai ficando, menos ela vai ter defesa na escola. Infelizmente ainda temos muitas histórias de educadores criando situações de vexame no próprio ambiente escolar”, lamenta.

Regina acrescenta que os números do Mapa da Violência 2012 não surpreendem, mas, enfatiza, é uma realidade que atinge todo o País, que não tem sido capaz de promover políticas públicas suficientes. “O enfrentamento a esse problema deve ser feito de forma muito positiva, trazendo alternativas para essa juventude. Precisa-se intensificar o foco na educação e na oferta de trabalho. Muitos jovens, quando tentam entrar no mercado de trabalho, não obtêm êxito pela falta de qualificação, e tudo isso contribui para seu afastamento do mercado e para a aproximação do tráfico, que oferece muitos benefícios para quem não tem nada”, disse.


Preconceito está enraizado


Os efeitos do preconceito, porém, não se restringem ao mercado. “A negação de atendimento de saúde também é uma forma de racismo. Uma pesquisa de um professor da UFPB mostra que uma mulher negra troca de médicos, em média, quatro vezes durante o pré-natal. É porque ela gosta de ir a muitos médicos? Não. É pela negligência oriunda do racismo que está incutida neles, que se traduz em uma má-vontade e num atendimento insatisfatório”, disse.

O gerente operacional de Políticas e Ações Afirmativas da Semdh, José Roberto da Silva, lembra que também as cotas têm mostrado resultados bastante positivos para diminuir a grande discrepância entre brancos e negros. “Todas as experiências, até agora, têm se mostrado eficazes para diminuir esse abismo.

Mas, devido ao estigma construído num processo longo, vai levar outro processo para ser derrubado”, afirmou. Dessa forma, explica ele, ações afirmativas da sociedade civil contribuem com a desmistificação do negro.

“Temos um plano de ação que elaboramos em conjunto com organizações da sociedade civil, visando à inclusão social, além da valorização da própria cultura negra”, explica. Nesse ponto, indica a gerente executiva de Equidade Social, Regina Alves, o simples fato de uma mulher negra alisar o cabelo mostra que ainda há muito a ser feito para valorizar a raça. Ainda assim, explica ela, já há motivos para comemorar. “A própria criação da Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana neste governo já é um grande avanço”, finaliza.


Fonte:Correio da Paraíba

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